SAÚDE - CHEGA DE DAR O SANGUE
A aprovação de um medidor de glicose que dispensa as picadas nos dedos é a mais recente conquista da medicina para aumentar a adesão dos pacientes ao tratamento
do diabetes.
CAROLINA MELO
Com 370 milhões de vítimas no mundo, 13,4 milhões delas no Brasil, o diabetes é uma daquelas doenças que exigem um controle rigorosíssimo. O bom tratamento
começa com o monitoramento preciso das taxas de glicose na corrente sanguínea -- só assim é possível determinar as doses ideais de insulina, o hormônio responsável
por levar a glicose para dentro das células, onde ela é transformada em energia. Apesar de todos os avanços na área, os aparelhos para a medição de glicose ainda
exigem do doente um furo no dedo e uma gota de sangue. Pode não parecer, mas a rotina é incômoda. A maioria dos diabéticos tem de espetar o dedo não uma, mas duas,
três e até quatro vezes por dia. Por causa das picadas, 30% dos pacientes não monitoram a glicemia como deveriam. Diz o endocrinologista Freddy Eliaschewitz, diretor
do Centro de Pesquisas Clínicas (CPClin), em São Paulo: "Alguns doentes preferem tomar direto a injeção de ins
ulina a fazer o controle da glicemia". As consequências podem ser graves, como uma crise severa de hipoglicemia, com desmaios e confusão mental. Desde o fim da
década de 90, profissionais dos mais respeitados centros de pesquisa em diabetes do mundo buscam uma forma de amenizar o dia a dia dos diabéticos. Pois bem, a boa-nova
é um medidor contínuo de glicose que dispensa o uso de sangue em todas as suas etapas. Aprovado recentemente pela Emea, a agência europeia de medicamentos, o dispositivo
deve chegar ao Brasil e aos Estados Unidos em 2015.
Desenvolvido pelo laboratório Abbott, o novo aparelho é uma evolução dos medidores contínuos de glicose, lançados no fim dos anos 2000 (veja o quadro abaixo).
O artefato mede a quantidade de glicose no fluido intersticial -- um líquido transparente que fica entre as células do corpo -- encontrado abaixo da derme, uma
das
camadas mais superficiais da pele. A concentração de glicose obtida a partir do fluido intersticial apresenta um delay em relação às medições feitas no sangue.
Isso
porque a glicose demora até quarenta minutos para sair dos vasos sanguíneos e chegar ao fluido intersticial. O grande diferencial do novo medidor é a presença de
uma enzima capaz de unificar as informações do sangue com as do fluido intersticial. Sem a tal enzima, os aparelhos mais antigos necessitavam de sangue para ajustar
as duas glicemias. Ou seja, os doentes não se livravam das picadas.
Do tamanho de uma moeda de 1 real, o sensor funciona como uma espécie de patch, colado na pele do doente. À prova de água, só deve ser trocado duas vezes por
mês, uma inovação recebida com entusiasmo pelos especialistas. Um aparelho parecido com um smartphone faz a leitura dos dados a uma distância de até 4 centímetros,
inclusive por cima da roupa. Se um diabético tem de medir a glicemia em uma reunião de trabalho, por exemplo, ele não precisa se retirar para picar o dedo -- basta
passar o sensor por cima da roupa no local de trabalho. A cada leitura, o paciente terá acesso à evolução das taxas de glicose, minuto a minuto, nas últimas oito
horas. "A partir desse histórico, é possível estabelecer se são necessárias ou não alterações nas doses de insulina", diz o endocrinologista Walmir Coutinho, diretor
de ensino e pesquisa do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia do Rio de Janeiro. Além disso, com esses dad
os, é possível até promover mudanças no estilo de vida do paciente. Se um doente apresenta, por exemplo, um pico de glicemia pela manhã, sempre no mesmo horário,
ele pode descobrir que isso ocorre devido a um determinado hábito alimentar naquele momento do dia. É a medicina caminhando rumo ao controle extremamente preciso
do diabetes. E, melhor, sem dor.
COMO FUNCIONA O NOVO APARELHO
1- Do tamanho de uma moeda de 1 real, o sensor é colocado no braço do paciente. O aparelho pode ficar até catorze dias.
2- Um microfilamento de 0,4 milímetro de diâmetro vai a 5 milímetros de profundidade da pele e entra em contato com o fluido intersticial, encontrado entre as células
e rico em glicose.
3- Esse microfilamento transporta a glicose até o sensor, que, por meio de uma enzima, calcula a taxa glicêmica.
4- Um leitor eletrônico, parecido com um smartphone, capta as informações do sensor e as traduz para o paciente.
A EVOLUÇÃO NO MONITORAMENTO DO AÇÚCAR
Anos 30
* Exame de urina
Utilizavam-se reagentes químicos que, em contato com a urina, indicavam a taxa de glicose no sangue.
Inconveniente - Para ser detectada na urina, a glicose precisa estar acima de 180 - um quadro bastante arriscado para os diabéticos.
Anos 60
* Glicosímetro com reagentes
O primeiro teste sanguíneo era feito a partir das tiras reativas;
Inconveniente - Era necessária uma quantidade elevada de sangue do dedo (0,03 mililitro) para obter glicose em quantidade suficiente.
Anos 80
* Glicosímetro com metodologia eletroquímica
A análise da glicose no sangue é feita por meio de reações eletroquímicas.
Inconveniente - As picadas no dedo continuam sendo necessárias, mesmo utilizando menos sangue - 0,001 mililitro.
Anos 2000
* Monitoramento contínuo de glicose
Dispensa o uso de sangue para medir a glicose. Assim como o novo aparelho, analisa o fluido intersticial, que é o líquido encontrado entre as células e que contém
glicose.
Inconveniente - A máquina precisa ser calibrada com o sangue do paciente - ou seja, as picadas no dedo continuam necessárias.
Fonte: Revista Veja. 8 outubro 2014.
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